O despertador tocou às 7h00 e ela se espreguiçou. Saltou da cama, abriu a janela e junto com ela um sorriso tão ensolarado quanto o sol que raiava naquela manhã. Colocou a camiseta larga, calçou os tênis velhos e não se importou em arrumar o cabelo – o desarrumado contrastava com o quanto ela estava arrumada por dentro. Colocou o fone de ouvido com “yellow” tocando no volume máximo e saiu. Não sabia para onde iria, só sabia que seus pés a guiariam para o rumo certo.
“Você nunca vai realizar os
seus sonhos”, “você não é boa o suficiente” – eles diziam. Mas ela aprendeu
durante a vida que naquilo que ela acreditava, bastava. Dissessem outras mil e uma coisas; se ela acreditasse nessas palavras, elas iriam se realizar. Mas ela não
acreditava.
No caminho, deixou o pensamento
levar a quem não teve força o suficiente para acompanhá-la e a deixou, no meio
da estrada. “Azar”, pensou ela. Sabia que não conseguiria carregar todo esse
peso durante a jornada, e eles teriam que ser deixados de uma forma ou outra. Antes,
isso poderia até machucar, mas agora ela estava ensolarada o suficiente para
não se deixar levar pela bagagem esquecida no meio do asfalto.
Virou à esquina e encontrou
um baú com imagens antigas. A boneca de pano. O vestido xadrez. Os cachos. Apesar
de não ter mais nada em comum com ela, ela sentia orgulho por um dia ter feito
parte disso. Se hoje ela era desse jeito, era porque um dia já tinha sido daquele
jeito. E se sentiu grata por isso.
Encontrou um CD com músicas
velhas. Em português, em espanhol, em inglês. Ah, se ela soubesse o quanto
essas músicas foram partes importantes do caminho até ali! Quando o mundo se
fazia silencioso, as músicas a acompanharam. Quando o mundo fazia barulho, eram
essas que a acalmavam e a inspiravam. E se tudo estivesse bem, ela dançava ao
som delas.
Encontrou velhos amigos que
marcaram partes diferentes dela. Mas principalmente, encontrou os que a
marcaram no coração. Cada um tinha sido responsável por uma partezinha dela. Cada
historia e experiência vivida com eles, tinha ficado guardada não apenas em um álbum
de fotografias ou em uma agenda de recados; mas na memória. E se ela estivesse
percorrendo essa nova estrada, era pela ajuda desses que compartilharam com ela
momentos que não voltariam, e talvez por isso, tenham sido tão inesquecíveis.
Encontrou os que motivaram a
árdua caminhada até ali. E não reclamou quando teve de esticar os braços o
suficiente para carregá-los. Ela não conseguiria estar ali sem eles, e nada
mais justo que convidá-los a viver os outros momentos que viriam, junto dela.
Encontrou um espelho. Sentiu-se
aliviada por não reconhecer o seu reflexo. Se reconhecesse, ainda seria a
garotinha com medo de ficar sozinha no escuro. Agora, ela não sentia medo do
escuro, e muito menos de ficar sozinha. Sentia-se feliz por ter a chance de ter
tantas duvidas sobre quais caminhos seguir daqui pra frente. Sentia-se grata
por deixar coisas no caminho e fazer esforço para carregar as que valiam a
pena. Sentia-se orgulhosa pela incógnita refletida no espelho. Sentia-se
inspirada a buscar as respostas para as perguntas frequentes em sua cabeça.
Apesar da bagunça, sentia-se
arrumada. E pela primeira vez, tudo estava no lugar.